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Fatos e mitos do 8 de março: qual a origem da data que celebra a luta das mulheres?

Um congresso de mulheres socialistas, um incêndio e a faísca de uma revolução estão entre as histórias envolvendo o 8M

por Gabriela Moncau

edição de Vivian Virissimo



Se você já participou de alguma conversa sobre o que originou o dia internacional de luta das mulheres, provavelmente já ouviu a história de que surgiu em homenagem a trabalhadoras estadunidenses que, em greve, foram trancadas dentro de uma fábrica têxtil em chamas.


Houve greve e houve incêndio, mas a versão - que às vezes remete a 1857, às vezes a 1908 – de que seria esse o embrião do 8 de março é falsa.


O dia internacional foi proposto pela primeira vez em um evento que reuniu mulheres socialistas de todo o mundo em 1910, na Dinamarca.


As origens que consolidaram o 8 de março, no entanto, não se explicam apenas com esse marco. Elas estão conectadas com uma série de eventos históricos relacionados à luta de mulheres da classe trabalhadora na Rússia, nos Estados Unidos e em países europeus no início do século 20.



O incêndio na fábrica têxtil de Nova Iorque



Era sábado à tarde, 25 de março de 1911, quando a Triangle Shirtwaist Company, na esquina das ruas nova-iorquinas Greene e Washington Place, pegou fogo. Já fazia um ano que o dia internacional de luta das mulheres havia sido proposto, na capital dinamarquesa.


De acordo com a socióloga Eva Blay no artigo 8 de março: conquistas e controvérsias, a fábrica empregava 600 pessoas, em sua maioria mulheres imigrantes de 13 a 23 anos.


Com algumas portas trancadas e um ambiente com tecidos e chão de madeira, facilitando a propagação do fogo, muitas pessoas não conseguiram escapar. O saldo foi de 125 mulheres e 21 homens mortos.


“A comoção foi imensa. No dia 5 de abril houve um grande funeral coletivo que se transformou numa demonstração trabalhadora. Apesar da chuva, cerca de 100 mil pessoas acompanharam o enterro”, narra Blay.


Hoje, o local onde houve o incêndio é a Universidade de Nova Iorque.



A greve e o “Dia da Mulher” nos EUA


Na ocasião do incêndio da Triangle Shirtwaist Company, que repercutiu de maneira a fortalecer sindicatos estadunidenses, as trabalhadoras não estavam em greve. Esse mito é, na realidade, a mistura de dois fatos que aconteceram pouco tempo antes.


Em novembro de 1909 foi feita uma greve de trabalhadoras da indústria têxtil de Nova Iorque, que durou até fevereiro do ano seguinte e também ficou conhecida como “o levante das 20 mil”.


Uma de suas lideranças, na época com 23 anos, foi a ativista ucraniana e judia Clara Lemlich. Ela participou da diretoria do histórico sindicato International Ladies Garment Workers (União Internacional de Mulheres da Indústria Têxtil), um dos maiores dos EUA e o primeiro do país composto somente por mulheres.

Tecelãs estadunidenses em piquete na greve de 1909 em Nova Iorque / Reprodução

No ano anterior, em fevereiro de 1908, mulheres socialistas dos Estados Unidos organizaram uma manifestação por melhores condições de trabalho e pelo direito ao voto. O ato foi chamado de "Dia da Mulher". Em 1909 repetiram a passeata que, segundo Blay, reuniu duas mil pessoas em Manhattan.


Possivelmente essa experiência influenciaria a proposta de uma data internacional unificada entre as socialistas, que seria aprovada em 1910 na Dinamarca.


O Congresso das Mulheres Socialistas em 1910


Foi em Copenhagen, durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, que se formalizou a ideia de um dia para a realização de atos em defesa dos direitos das mulheres em escala global.

Figura central sempre atrelada à proposição do 8 de março é a marxista alemã Clara Zetkin. Dentro do movimento operário, Zetkin se dedicava à luta pelo que na época se chamava de “igualdade entre os sexos”. Daí o nome Igualdade, com o qual foi batizada a revista por ela fundada e dirigida ao longo de 16 anos.


O documento que propôs o “Dia da mulher”, ratificado pelas congressistas em 1910, é assinado por Zetkin, mas também pela menos conhecida Käte Duncker. Ambas militavam juntas no Partido Comunista Alemão.


“As mulheres socialistas de todas as nacionalidades devem organizar a cada ano um Dia da Mulher, que deve promover, acima de tudo, a agitação pelo sufrágio feminino”, propuseram Zetkin e Duncker. “O Dia da Mulher deve ter caráter internacional e ser preparado cuidadosamente”, escreveram. A ideia foi aceita, mas ainda sem data definida.


De acordo com Ana Isabel González no livro As origens e a comemoração do dia internacional das mulheres (editora Expressão Popular), o 8 de março aconteceu internacionalmente pela primeira vez em 1914, na Alemanha, na Suécia e na Rússia.


O impulso da Revolução Russa


Mas foi em 1917, em meio a I Guerra Mundial, que o dia de luta das mulheres tomou outras proporções.


Em 8 de março daquele ano (23 de fevereiro no calendário Juliano, que vigorava na Rússia czarista), russas tecelãs e familiares de soldados do exército tomaram as ruas de Petrogrado (hoje São Petersburgo).


Desgastadas, as forças armadas russas não reprimiram as manifestações impulsionadas pelas mulheres / (Foto: Reprodução)

A despeito do inverno congelante, marcharam por “pão e paz”, reivindicando o fim da guerra, denunciando a fome que assolava o país e convocando o operariado russo a derrubar a monarquia. Convocando mesmo: batendo nas fábricas de porta em porta. A mobilização se alastrou.


Depois da chegada dos bolcheviques ao poder, o dia internacional de luta das mulheres foi oficializado entre os soviéticos como o que deu início ao processo revolucionário. Em 1975, a data foi reconhecida também pela ONU.


Hoje


Mais de um século depois, para alguns o 8 de março é, como publicidades insistem em veicular, um dia para dar uma flor, um presente ou dizer “parabéns” a uma mulher.


As lutas antissistêmicas da data, no entanto, não são esquecidas. Ao contrário: em todo o planeta, elas são atualizadas de acordo com os (não menores) desafios desses tempos.




Fonte: Brasil de Fato

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